- Jamile Damasceno e Marcos Romeu
Negligência obstétrica - A dura realidade dos hospitais públicos

“A minha filha nasceu morta depois que fui ameaçada e hostilizada durante três dias dentro de um hospital público.”
Assim começa o relato da empresária Elisângela Couto, que se preparou para o parto normal, mas viu as semanas passarem sem que a primeira filha desse sinais de trabalho de parto.
“O enfermeiro cruzou os braços e disse que a culpa era minha por não conseguir parir minha filha e que eu iria me arrepender de desejar a Cesária”.
Depois de 41 semanas de gravidez, Elisângela procurou o Hospital, pois sabia que algo estava errado. Depois de muita insistência, ela foi internada e recebeu hormônios para induzir o parto. A bolsa estourou, mas o colo não dilatava. Foram três dias sem se alimentar, implorando para que os médicos retirassem a filha por meio de cirurgia.
“A cada troca de plantão eu recebia mais exames de toque, mais opiniões e acusações. Eu estava fraca e já não conseguia me impor.” Depois dos dias de horror, um médico percebeu que a bebê á estava sem líquido e em sofrimento fetal e decidiu fazer a cesária. Sofia nasceu em parada cardio-respiratória, aspirou mecônio (o primeiro cocô que o bebê faz), teve infecção e precisou ficar internada na Uti, tirou 20 ml de líquido dos pulmões.
“Deus ressuscitou minha filha,
se fosse apenas pelos profissionais ela não teria sobrevivido”.
Um ano após o parto, Elisângela ainda fala sobre o assunto com dificuldades e carrega os traumas do pior dia da sua vida.
PALAVRA DE ESPECIALISTA

“Uma violência naturalizada, institucionalizada e que deixa marcas físicas e psíquicas por toda a vida". É asssim que Dra. Lauriene Pereira, médica Ginecologista e Obstetra define a violência obstétrica. Segundo ela muitas mulheres passam em silêncio por esse drama e não denunciam por medo, falta de provas, desconhecimento dos seus direitos e ameaças.
Ao avaliar o caso de Elisângela, ela fala que a omissão poderia ter trazido sequelas irreparáveis para a mãe e o bebê. “Em momento algum ela teve culpa ou responsabilidade pelo que estava acontecendo”. Ela fala que é muito comum as pacientes chegarem a 41 semanas e não entrarem em trabalho de parto. Nesse momento, a família deve ficar em alerta e procurar ajuda. Em caso de alteração a melhor conduta seria indicar uma cesariana de emergência.
OS HOSPITAIS PÚBLICOS
Para a médica obstetra, esse tipo de violência é mais comum em hospitais públicos, e com mulheres de baixa renda, embora não haja explicação ou justificativa para isso. Ela fala que estes hospitais estão passando por um processo de sucateamento e desestruturação, com a maioria dos profissionais desestimulados, pressionados e com sobrecarga de trabalho.
PREVENÇÃO
O casal pode se prevenir contra a violência obstétrica se informando, participando de todos os processos e consulta de pré-natal, dos cursos de gestante, procurando um profissional competente e com boas referências, além de um hospital de confiança. Mas nem sempre isso é possível em hospitais públicos. Segundo a médica, são comuns os relatos de violência obstétrica, mesmo por que o pré-natal e o trabalho de parto envolve vários profissionais e nem todos têm a mesma formação, sensibilidade e conduta.
LEIS FEDERAIS
Dra. Lauriene fala que atualmente, não há lei Federal que tipifique a violência obstétrica. Alguns Estados no Brasil já sancionaram leis específicas para tratar sobre o assunto, mas há vários projetos de leis em tramitação no congresso.
AS DENÚNCIAS
A maioria das mulheres que sentem que sofreram violência obstétrica devem procurar a defensoria pública com cópia o prontuário e se possível testemunhas. Em muitas situações o médico pode tomar decisões ou condutas para diminuir o sofrimento fetal, sequelas neurológicas para o bebê ou a morte da mãe. Portando é fundamental ter certeza se determinada atitude foi tomada no sentido de violência obstétrica ou foi para salvar a vida de seus pacientes.
Veja também:
Violência obstétrica - Assunto de macho
Parto desumano - uma das faces da violência obstétrica
